Ou: Quando o tiro sai pela culatra ...
Então quando J. me viu na festa, me perguntou:
-Você soube o que aconteceu com a N.?
-Não...- respondi. - O que foi?
-Não soube? Pois não é que ela foi deportada...Pra Europa!!
-Pra Europa? ( Isso não parecia fazer o menor sentido. Digo , não sobre a deportação, mas sobre ela ser mandada de volta para a Europa ...)
Então eu fiquei sabendo dos detalhes:
N. havia se casado com um cidadão americano. Um acordo. Um casamento falso , apenas com o objetivo de poder se legalizar aqui.
Me lembrei então das várias conversas que tivemos em minha casa, enquanto ela fazia a limpeza e eu a ajudava com uma coisa ou outra.
N. era obcecada pela idéia de se casar com um americano a fim de , uma vez legalizada , poder voltar ao Brasil sempre que quisesse de férias ou para rever as filhas. ( Este , aliás, é o drama de muitos ilegais aqui : eles chegam a ganhar bem, estabelecem uma vida inteira no novo país, mas como são ilegais , nunca podem retornar ao próprio país já que se o fizerem , depois ao tentar voltar novamente para o país estrangeiro, não conseguem mais entrar...).
Me lembrei de QUANTAS vezes eu lhe disse que isto era péssima idéia ; que ela pensasse em tudo o que já tinha conseguido até alí ( clientes fixas, carro, casa, amigos, uma ótima renda todo mês... Que o fato de não poder viajar de volta ao Brasil era ruim - ainda mais tendo dinheiro de sobra para fazê-lo...- , mas ela sempre podia mandar uma passagem para as filhas virem lhe visitar de vez em quando - o que aliás , ela chegou a fazer mais de uma vez...)
- Um dia você pode até conhecer um americano 'de verdade' , se apaixonar e se casar com ele pelos bons motivos. Então poderá se legalizar. - disse-lhe.
Me lembro que lhe dei inclusive o exemplo de outra brasileira , em situação muito parecida com a sua , que após 3 anos vivendo ilegalmente nos E.U. e trabalhando como manicure e faxineira, acabou de fato conhecendo a pessoa certa.
Se casaram e ela conseguiu , com a ajuda de um advogado, legalizar sua situação apesar de tudo ter começado de maneira 'errada' .
Hoje esta moça está casada, tem uma filha e trabalha legalmente em um setor especializado no Central Market - um SUPER supermercado , com produtos de alta qualidade e especiarias finas do mundo inteiro .
Cá comigo , ainda pensei que se N. emagrecesse um pouco , suas chances de encontrar um homem 'direito' ( digo , que estivesse realmente interessado nela...) , ainda seriam maiores ! lol
É que me lembrei do que meu marido me disse certa vez quando fiz o seguinte comentário: "Americano não liga se a mulher é gorda ou bagulhenta..."
Ao que ele respondeu:
"'Não é verdade. É certo que há aqueles que se casam com a namorada já grávida ou depois que já tiveram um filho e engordaram . Mas a maioria se casa com as moças quando ainda eram magras e bonitinhas...Só que , ao contrário dos homens brasileiros, costumam ficar casados mesmo depois que elas embagulham..." :-)))
E é aí que entra a academia de ginástica ! - pensei. :-)
Me lembro que ainda tentei convencer N. a entrar para minha academia ( afinal 80 dólares por mês para ela, que ganhava mais de 3.000 , não era nada!) . Porem ela nunca considerou a idéia e preferiu continuar se empanturrando de besteiras e porcarias e simplesmente 'gastando as calorias nas faxinas...' , como costumava dizer. :-((
Lhe disse que hoje em dia era muito mais difícil enganar as autoridades do que já tinha sido no passado. Desde o 11 de setembro ( ou talvez até antes disso) eles andavam com a pulga atrás da orelha e queriam saber direitinho quem estava casando com quem e por que. Cheguei a dar-lhe o meu próprio exemplo dizendo lhe que , apesar de nunca ter ficado um único dia aqui ilegal e de ter um casamento totalmente 'normal' , meu marido e eu tivemos de passar por mais de uma entrevista juntos antes de finalmente conseguir o meu Greencard.
Era loucura se casar com um estranho ( pior, com um GAY, como ela pensava em fazer ! ) e achar que poderiam enganar o agente da imigração.
-Do jeito que está, as autoridades podem nunca vir a saber que você anda por aqui. Já , no momento que se casar , eles virão a saber e vão fuçar a sua vida até descobrir se há algo de errado ...
De nada adiantou e eu gastei meu latim a toa . Na verdade eu nem sei porque perdi tanto tempo tentando lhe convencer de algo que, para qualquer pessoa com mais de dois neurônios , era tão óbvio.
Mas N. era aquele tipo de pessoa que ouvia tudo o que lhe diziam, fingia concordar e depois saía e fazia TUDO diferente!
Ainda segundo J. , ela havia de fato 'se casado' com um americano gay. Provavelmente um conhecido seu , a quem ela teria pago para fazer o 'negócio'. Então passados alguns meses os dois foram chamados para a entrevista.
( Me lembrei então de NOSSA entrevista - a última que tivemos antes de me darem o Greencard dos 10 anos... - em que o entrevistador pediu à meu marido que saísse da sala e depois me perguntou o que havíamos feito aquele ano no meu aniversário...
Por um momento eu tive de pensar, já que isto foi no ano passado e eu tinha feito 41 anos. ( Se fosse no ano anterior eu teria me lembrado de imediato uma vez que tínhamos viajado à França para o meu aniversário de 40 !! :-))) . Mas enfim , me lembrei : Fomos jantar em um restaurante muito romântico em nossa cidade, cujo chef era meu conhecido e ex-aluno particular de português...Por sorte meu marido tambem se lembrou quando lhe fizeram a mesma pergunta mais tarde , após pedirem para eu sair da sala ! lol)
Enfim, antes mesmo do final da entrevista de N. e seu 'marido' , o oficial decretou sua prisão. É óbvio que a mentira viera a tona em dois tempos.
O americano ainda acabou sendo liberado ao assinar um documento confessando tudo. Já ela....Aí é que vem a ironia das ironias...
Como havia entrado nos E.U. usando seu passaporte ITALIANO, N. , ao invés de ser mandada de volta para o Brasil , foi deportada para a Itália! - isto depois de ficar presa ( de uniforme de presidiária e tudo ...) , durante 3 semanas , antes da deportação oficial .
Logo ela , que não falava uma palavra de italiano, nunca esteve ou quis ir à Itália e não conhecia uma alma penada por lá !!
A burrice sai caro.
Por outro lado, isto tambem deveria servir de lição para o governo italiano que facilita de maneira tão absurda a aquisição do passaporte italiano.
Imagina: se ela quisesse, poderia simplesmente se instalar por lá, quem sabe até pedir uma ajuda do governo italiano e se tornar MAIS uma européia desempregada vivendo de welfare...
Posso bem imaginá-la , chegando à Itália, deportada e sem dinheiro - pois eles não deixam que a pessoa leve NADA consigo - nem mesmo a escova de dentes!
Acabou por perder tudo o que conseguira até aqui durante os quase cinco anos que viveu na América. Por sorte não tinha dinheiro algum no banco. Imagino que talvez tivesse algumas economias no Brasil...
Segundo J. , N. agora está de volta ao Brasil.
Deve ter pedido para alguem ( quem sabe o ex-marido) lhe mandar a passagem de volta para casa.
Se fôr otimista , talvez pense que sua odisséia serviu para duas coisas: 1) Na prisão ela emagreceu mais de dez quilos e ...2) Agora que está de volta ao Brasil , sem dinheiro e desempregada, talvez suas filhas finalmente comecem a se mexer e arrumem algum trabalho...