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Parada Essencial

Benvindos ao "Diário politicamente incorreto da Pâmelli" - uma brasileira/americana childfree, residente nos E.U.A. desde 2003 Viagens, cultura, desabafos e muito mais!

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A paixão por Carmem e o epicurismo

Pâmelli, 02.05.08

 

Este mês foi inaugurado o novo teatro de performing arts na cidade onde moramos.

Não estamos em Nova Iorque ou São Francisco , mas ainda assim,  nossa cidade ( que possui mais de um milhão de habitantes...) tem uma vida cultural bastante  razoável. 

Existem bons restaurantes,  a cidade tem o seu  próprio balé  e teatro de ópera... -  sem falar que , volta e meia , recebemos uma  'troupe'  encenando algum musical de sucesso da Broadway !

 Quanto ao novo teatro,  para nós  a mudança  de endereço  não poderia ter sido melhor , já que o  local agora   fica a apenas  uns 5 minutos lá de casa,  bem no centro.

Resolveram estrear com a ópera de Bizet,  "Carmem"  e,  é claro que nós não poderíamos deixar de ir.

 

Na verdade  sempre  gostei  e entendi muito mais de balé do que de ópera.  Afinal,  dos seis aos quinze anos estudei  ( seriamente !)  com uma professora russa  em uma academia de dança  no Rio .(Sua família havia fugido da União Soviética logo após a Revolução de 1917...)    Houve mesmo uma época que achei que seguiria a carreira de bailarina ..:-).

 É claro que isto foi  a SÉCULOS atrás,   mas   o fato é que meu interesse e amor pela arte da dança persistiu até os dias de hoje.

 A verdade é que  concluí que era MUITO  melhor ser espectadora do que estrela  ( ou aspirante à isso..). 

 Toda  aquela dedicação e sacrifício!  ( Deus me livre...:-))    Os treinamentos diários.  As dietas rigorosas.  Sem falar  na competição ferrenha entre as dançarinas!  Eca.  Não,  muito obrigada.

Pensei:  Tem coisa melhor do que ser simplesmente espectadora?  Poder me arrumar e me emperiquitar como quiser ,  chegar ao teatro poucos minutos antes do espetáculo,  tomar uma taça de vinho  ( sem culpa!) antes de sentar-me na platéia,   ler o programa com o resumo  da estória,  tomar OUTRA  taça de vinho (  novamente sem culpa...)  durante o intervalo e simplesmente   apreciar o espetáculo sem compromisso com  nada ou ninguem ?  Depois comentar  com meu acompanhante sobre a 'ponta',  a 'abertura' ou a  'precisão' da bailarina e por fim ,  satisfeita ( ou meio decepcionada, dependendo do caso...)  calmamente   deixar o teatro e voltar para  casa!  (Quando isto acontece no Rio,  melhor ainda , pois podemos sair para  jantar DEPOIS do show , já que lá   ( ao contrário da maioria das cidades européias e americanas...) os restaurantes ficam abertos até as  ' altas horas da madrugada! ' :-))

Ah, que maravilha,  poder  comer um belo filé  au poivre ,  um risotto de camarão  ou  um fettucini ao molho de roquefort,  sem a MENOR  preocupação com o próprio  peso!! 

Realmente não há nada  melhor do que o  desfrute de um prazer sem culpa...

 

Mas voltando à Carmem...

Eu sempre adorei a música de Bizet.  Há vinte anos atrás assisti à uma  inesquecível performance de Carmen ( a ópera , não o balé...) no Teatro Municipal do Rio.  Nunca me esqueci do nome da cantora lírica americana no papel da sensual cigana de Sevilha:   Isola Jones. 

Quanta  paixão,  insolência  e sensualidade!  Que presença de palco!  Me senti tão enfeitiçada  pela bohéminienne quanto o próprio  D. José...:-)

 Foi mais ou menos naquela época que tivemos de ler o livro  'Carmen' ,  de Mérimée  - justamente a estória que inspirou Bizet em sua ópera.  Estava cursando o programa superior de francês da Aliança Francesa no Rio :  o Nancy.

Ah,  me lembro tão bem das análises e comentários que fazíamos em classe sobre a obra!  Ninguem ,  contudo,  além de mim,  parecia ter a menor compaixão por D. José.

" Um chato!  -  diziam minhas colegas.  "  Um machão,  obcecado com a coitada!  E ainda por cima ,  acabar por esfaqueá-la no final!!"

Mas eu tinha pena dele.  Sofria com a sua angústia e aquela paixão enlouquecida pela jovem cigana insensível.  Pobre D. José...

 

Hoje,  vinte anos depois ,  fui novamente ver o mesmo espetáculo, desta vez aqui,  nos E.U.

O teatro está  muito bonito.  O cenário foi  igualmente de primeira.  A música de Bizet maravilhosa , como sempre. 

Antes do show tivemos uma pequena palestra e eu fiquei sabendo pela primeira vez,  que Bizet JAMAIS botou o pé na Espanha em toda sua vida!!

Como é possível que um francês ,  que nunca esteve na Espanha,   possa ter escrito aquela música ??  Pode  existir na Terra algo mais 'espanhol' ,  mais  'sevilhano'  e ' ibérico' ...Que traduza melhor a alma do sul da  Espanha do que a música de Carmem ?!!  ( ainda que a letra da ópera seja em francês...)

Ah, mas ao contrário da performance que tinha visto no Rio com Isola Jones,  a Carmem que vi no teatro aqui não me causou a menor emoção. 

Apesar de  possuir um belo rosto e a cabeleira farta ( o que sempre ajuda ao interpretar Camem...) , assim como uma voz afinada e trabalhada,  a mulher me deixou completamente gelada!

Não havia um pingo da mais remota sensualidade nela.  Os movimentos dos braços eram feios e sem feminilidade ,  o andar mondrongo.  Mais parecia um desses pivetes de rua ,  chupando chiclete e dançando break.... Só faltava a touquinha de meia na cabeça! 

Então pensei que  a verdadeira Carmem de Bizet deveria ser interpretada ,  de preferência ,  por uma mulher latina.  Uma francesa,  uma espanhola ou portuguesa....Quem sabe até uma brasileira (  se bem que não devem haver muitas brasileiras por aí como cantoras líricas...Triste.  ) . 

 Não.  A sensualidade não é a marca registrada dos anglo-saxões e, apesar de que Marilyn Monroe era americana,  penso que ela jamais poderia ter interpretado Carmem.

Isola Jones foi uma exceção.  Talvez porque fosse uma cantora mulata  e cujo sangue africano lhe tivesse dado um 'tempero' extra...  Ou talvez  simplesmente eu fosse jovem demais e tenha visto a coisa com outros olhos...Quem sabe?

 De qualquer forma,  quanto ao espetáculo aqui na semana passado, sempre valeu a pena. Afinal  pudemos conhecer a nova 'Opera House ' da cidade ,  tirar um vestido ou blazer  do armário que nem sempre temos a ocasião de usar,  aprender algo novo sobre Bizet e  novamente ,  ouvir sua música divina.

De quebra,  eu pude mais uma vez ,  entre um ato e outro , tomar minha taça de vinho TOTALMENTE   sem culpa , e me dizer :    Que bom que eu  desisti de ser  bailarina!!