O gato em minha vida
Desde que me lembro , eu sempre preferi os cachorros aos gatos.
Sempre achei que os gatos eram meio 'frios' , sem graça, esquivos e meio anti-sociais.
Quando criança, tive mais de um cachorro - mas nenhum que tivesse me marcado especialmente. Então em 1996, quando morava em uma pequena cidade no interior de Minas Gerais, eu encontrei aquela que viria a se tornar minha 'filha' durante 11 anos. Uma cadelinha vira-lata , com apenas dois meses de vida, que encontrei um dia debaixo de um carro em uma das ruas da cidade.
Batizei-a como 'Atlanta' ( inspirada nos Jogos Olímpicos de Atlanta, que estavam acontecendo naquele mês... - NADA a ver! Para nós , em casa, simplesmente Gubi ( guiubi) , ou Gubinha . Foi o amor de minha vida. ( Um dia , quem sabe, escreverei um post inteiro sobre ela...)
Então, quando tinha cerca de 10 anos e os primeiros sinais do tumor em seu pescoço começaram a aparecer ( na verdade , um ano antes dela nos deixar de vez...) , em uma certa manhã fria e de geada , ao acordar, eu e meu marido percebemos que 'algo' havia entrado, durante a noite , em nosso jardim . Este 'algo' se encontrava dormindo , todo embolado, dentro da casa de Gubinha lá fora. Era um pequeno gato cinza, de cerca de uns três meses.
Isso foi em novembro , do ano de 2006.
O gato no começo era muito amedrontado , mas com o passar dos dias, vendo que o estávamos alimentando, aos poucos foi se chegando. Duas semanas depois ele já 'fazia contato com a Gubi' , através das portas de vidro que separam nosso quarto e sala de T.V. , do jardim de fora. Logo ficou claro que ele desejava se juntar a família e passar a fazer parte dela tambem.
Finalmente , após um mês de contato 'vigiado' através do vidro, os dois finalmente puderam se encontrar 'ao vivo' . E assim os dois passaram a se tolerar muito bem , numa espécie de relação de 'cohabitação' - sempre temperado com um pouco de ciúme por parte do cão ( já veterano naquela casa e família...) e um certo 'respeito' por parte do gato.
Naquela época , embora visse com uma certa apreensão aquela bola que a cada mês parecia crescer mais e mais no pescoço de nossa querida Gubinha, não nos passava pela cabeça que menos de um ano depois ela iria nos deixar para sempre. Sendo assim, e pensando que 'gato nunca tinha sido a nossa praia...' , tentamos encontrar alguem que se interessasse em adotar a pequena criatura.
Conversamos com um casal amigo que nos disse ter dois amigos ( um casal gay...) , segundo eles ' apaixonados por gatos e já com larga experiência com felinos...' que andavam justamente procurando um novo gatinho para adotar.
Perfeito! - pensamos. Um casal gay, apaixonado por gatos, com larga experiência...( e de quebra sem crianças para infernizar o bichano...).
Marcamos um dia para eles virem buscar o felino. Providenciamos para que levassem sua cama, ração, brinquedos...etc... Até arrumamos uma mini-jaula , ideal para transportar bichos. Aquele parecia ser o momento ideal para nos livrarmos dele ( aliás, DELA !) : ainda não tínhamos lhe dado um nome e fazia poucas semanas que estava vivendo conosco. Era a hora certa , antes de começarmos a nos apegar ao bicho.
O 'casal' veio . Achou o gatinho bonitinho - apenas um pouco esquivo pois assim que eles entraram em seu quarto , o bichinho se escondeu debaixo do sofá, apavorado. Apesar de tudo , levaram-no.
Alívio . Missão cumprida. O gato agora tinha um novo lar. Seria bem cuidado e tudo lá em casa voltaria a ser como antes. Gubinha voltava a ser nossa filha única.
Pois não é que apenas 2 dias depois o casal resolve nos devolver o gato!!
Disseram que o bichinho era anti-social; que só ficava escondido debaixo do sofá e ' não gostava de gente...' Pediram para trazê-lo de volta....
Fazer o quê? O gato voltou.
Naquele momento eu soube que DEUS quis nos mandar aquele 'presente' . De uma certa forma , Ele já estava nos preparando para a perda que teríamos no ano seguinte...
Afinal, quais eram as chances de eu encontrar novamente um cachorrinho abandonado nas ruas , morando em uma cidade grande em plena América? Mesmo no Brasil, hoje em dia , isso só acontece nas cidades do interior pois nas grandes metrópolis, a 'carrocinha' não deixa qualquer cachorro andando solto por aí. (Crianças abandonadas pelas ruas , tudo bem. Cachorros não. Isto é o Brasil... )
Por outro lado, sempre tive claro em minha mente que não pretendia comprar um cão de raça, vendido em alguma loja ou canil especializado. Se tivesse de ter novamente outro bicho , teria que ser , no mínimo, um adotado de um abrigo. Um outro 'resgatado da vida'...
Então, quais as chance de um gatinho orfão , dar um jeito de entrar pelo nosso jardim ( cercado) , e ir se instalar na casa de nosso cachorro ? Com tantas casas na redondeza, por que logo na NOSSA ? E por que justo naquele momento de nossa vida ?
Finalmente, como é que um gatinho tão jovem, de pêlo cinza , com as patas brancas e os olhos verdes, meigo e de bom gênio ( afinal, até com o cachorro da casa acabou se entendendo...) pode ter sido rejeitado por pessoas que supostamente - ao contrário de NÓS ! - 'sempre tiveram e adoravam gatos...' ; além de estarem justamente a procura de um novo mascote para sua casa?
Sim, hoje penso que o destino dele era ficar mesmo conosco e , de alguma forma, preencher um pouco do enorme vazio que ficou em nossas vidas depois que nossa Gubinha se foi.
( Não houve clínica especializada em Oncologia canina na cidade que pôde salvá-la e Deus acabou levando-a para junto de si , menos de um ano depois do misterioso aparecimento do gato em nossa casa.)
Afinal a gatinha foi operada ( esterilizada) , ganhou uma coleira e medalha nova e foi finalmente batizada com o nome de Senninha ( pois é rápida e espoleta como só vendo) .
Durante o dia eu abro a porta de vidro e ela passeia pelo jardim e sobe nas árvores, ( em especial a que cobre boa parte de nosso telhado, de onde ela tem uma vista 'panorâmica' das redondezas , de cima de seu galho favorito...) E , ao contrário do que os amigos de nossos amigos disseram: ADORA passar tempo junto das pessoas que cuidam dela! Então, é só eu abrir de novo a porta e chamá-la pra dentro que ela vem correndo , louca para entrar dentro de casa novamente e se aconchegar no meu colo, ronronando enquanto assistimos à novela na hora do almoço.
Senninha agora é parte oficial e integrante de nossa família, ( sim, uma família 'childfree' , apenas com os dois adultos e seus filhos peludos...:-)
Estou convencida de que foi o 'destino' que fez com que ela aparecesse lá em casa naquela noite fria de novembro, ainda filhote, menos de um ano antes de nossa Gubinha nos deixar. ( A verdade é que , fosse ela já um gato adulto ou mesmo um filhote 'de raça' , saído de algum canil ou loja de animais ..., nós dificilmente teríamos ficado com ela e mais provavelmente a teríamos 'passado adiante'..)
Penso que foi igualmente o 'destino' que fez com que ela parecesse 'anti-social' para aquele casal gay que chegou a levá-la para sua casa e depois se arrependeu.
Por fim, para mim , há mais uma coisa que considero 'especial' neste gato: o fato de que ele CONHECEU pessoalmente e conviveu durante vários meses com nossa Gubinha !
Desta forma, cada vez que olho para o felino, me lembro de nossa cadelinha e sinto como se ela continuasse viva e ainda perto de nós. Afinal , sempre que nos lembramos de nossos entes queridos ( que já se foram) , estamos de certa forma mantendo-os vivos em nossos corações.
Às vezes, é preciso saber ler nas entrelinhas para ver aquilo que o destino parece estar querendo nos mostrar.
Hoje, as palavras de DESIDERATA nunca me pareceram tão verdadeiras:
" Whether or not it is clear to you, the Universe is unfolding as it should..."