Nada como a influência do meio...
Era o que dizia 'Émile Zola. Só que frequentemente em seus livros, os personagens eram influenciados de alguma maneira NEGATIVA pelo seu 'meio' : ou se tornavam alcoólatras porque os pais eram alcoólatras; ou prostitutas porque foram criados em um meio excessivamente permissivo, ou assassinos ...etc.
Mas a 'influência do meio' tambem pode ter o seu lado bom. Naturalmente quando se trata de um meio , digamos, 'privilegiado' ...:-) - seja do ponto de vista financeiro, cultural ou de 'princípios morais' ...
Sempre que penso nisso me lembro de uma antiga colega do tempo de escola, H.
Primeiro estudamos juntas dos 14 até uns 16 anos e então seus pais mudaram-se para o Canadá.
Anos depois retornaram ao Brasil e novamente H. voltou a fazer parte de nosso grupinho de amigos. Tínhamos então uns 20 anos.
Muito bonitinha de rosto, cheinha de corpo...H. sempre foi simpática e muito popular no nosso meio. Estava sempre empencada com algum namorado. Tinha milhares de amigos e amigas.
No colégio era aluna extremamente medíocre. Nunca gostou de estudar. Era a famosa 'simpática burrinha ' da turma. H. era o que se podia chamar de uma verdadeira philistine- aquela pessoa completamente desinteressade de estudos, informação, cultura, arte ...Em suma : a 'anti -intelectual'.
Sempre alegre e bem humorada, constantemente rodeada de gente, H. era incapaz de ficar sozinha durante uma tarde inteira sem ficar deprimida. Nunca pegou um livro para ler. O sonho de H. , e que ela gostava de anunciar para todos sempre que tinha a oportunidade, era simplesmente um dia se casar e ter 6 filhos!
( Anos mais tarde ficamos sabendo que ela havia novamente se mudado para o Canadá e que tinha de fato se casado , mas aparentemente tinha mudado um pouco seus planos de vida: tivera APENAS 4 filhos !!:-))
H. era , contudo ótima em línguas. Falava inglês, francês e português perfeitamente. Seu pai era brasileiro, a mãe francesa, haviam morado durante anos no Canada...
No Rio moravam em um apartamento belíssimo , na Viera Souto , com vista para a praia de Ipanema. Os jantares em sua casa eram servidos ' a francesa' pelo mordomo...
Certa tarde , num fim-de-semana , estávamos em sua casa, de bobeira - eu , H. e mais algumas amigas da escola com quem sempre andávamos e saíamos nos fins-de-semana. De repente H. me sai com :
-Ei pessoal, vamos assistir à um video? Eu tenho aqui em casa "My Fair Lady" ...
Algumas de minha colegas já conheciam o musical. Todo o mundo ficou animado. Até então eu nunca tinha ouvido falar nele.
Então H. colocou a fita no video cassete ( naquela época não existiam DVDs... ) e começamos a assistir o filme. Era no original e sem legendas , mas como todas nós estudávamos em escola estrangeira, o inglês era normal entre nós. Duas de nossas colegas eram inclusive filhas de pai americano e mãe brasileira...
Apesar disto, perdi bastante. O problema foi a fala da florista pobre e ignorante interpretada por Audrey Hepburn, falando cockney ( aquela espécie de dialeto do inglês britânico, horrivelmente mal falado e deformado ...) , antes que o Professor Higgins se encarregasse de ensiná-la a falar corretamente e 'like a lady...' :-)))
Anos depois, eu iria voltar a assistir o musical muitas e muitas vezes. É um de meus filmes preferidos.
Mais tarde eu leria a peça de Bernard Shaw " Pygmalion" ( Pigmaleão) , que inspirou o musical , e compraria o C.D. com as músicas.
Mas foi naquele dia que eu tive minha introdução 'formal' à " My Fair Lady"., à Audrey Hepburn e à Rex Harrison.
E quem me apresentou à ele foi H.... Aquela antiga amiga de escola...A philistine , a namoradeira cabecinha oca... A bobinha mais simpática da turma :-)
"My Fair Lady" era um de seus filmes favoritos. Um clássico do cinema, interpretado por atores já completamente esquecidos e desconhecidos ( já naquela época!) da maioria das pessoas de nossa geração .
Afinal ela havia estudado em uma escola bastante exclusiva. Seu pai era um homem sofisticado, chegando a beirar o esnobismo. Sua mãe era francesa. Sua família havia viajado extensamente. Sua irmão nascera nas Bahamas. Não havia 'philistinismo' que pudesse resistir a tanto! :-))
Nada como a 'influência do meio' , como diria o velho Zola...
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Memory Lane : o trailer de "My Fair Lady" , esta pequena jóia de 1964, com a música maravilhosa de Frederick Loewe...